Informativo Empresarial 03/2020

Impactos Trabalhistas MP 927-2020

No Informativo Empresarial 02/2020 a equipe do Vieira Barbosa & Carneiro – Advogados compilou as principais alterações promovidas com a edição da Medida Provisória nº 936/2020, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares, com o objetivo de preservar o emprego e a renda, garantir a continuidade das atividades empresariais, bem como reduzir o impacto social diante da paralisação de atividades e restrição de mobilidade.

Agora, a equipe do escritório Vieira Barbosa & Carneiro – Advogados continua a destacar as implicações trabalhistas decorrentes destas medidas de enfrentamento da emergência em saúde pública de importância internacional em razão da infecção humana pelo “novo coronavírus” (Covid-19), com a análise da Medida Provisória nº 927/2020 e a alteração decorrente da Medida Provisória nº 928/2020, que permitiu a flexibilização das normas trabalhistas para propiciar a implementação de isolamento e de quarentena dos trabalhadores, minimizando o impacto sobre os empregados e empregadores.

Além disso, edição da Medida Provisória nº 927/2020 se justificou em função da necessidade de implementação de medidas urgentes e imediatas de isolamento dos trabalhadores em suas residências, com a manutenção, na medida do possível, dos vínculos trabalhistas, com segurança jurídica, o que demandará um assessoramento específico às empresas para evitar problemas na seara trabalhista.

Para demais informações, entre em contato através dos nossos canais. Confira:

 

FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS – MP 927

Em tempos de mudanças e incertezas ocasionadas pela pandemia mundial do “novo coronavirus”, cuja prevenção inevitavelmente passa pela necessidade de isolamento social com fins de reduzir as devastadoras consequências para a saúde pública, o que consequentemente tem acarretado em violentos impactos à economia, fizeram-se necessárias a adoção de medidas legislativas urgentes com a finalidade de resguardar empregos e renda, proporcionando-se às empresas e aos empregados a adequação de regras trabalhistas ao momento extraordinário da atualidade.

Nesse contexto, o Governo Federal editou Medida Provisória com essa finalidade, ao reconhecer, para fins trabalhistas, a atual situação como hipótese de força maior, ou seja, acontecimento inevitável para a qual o empregador não concorreu, direta ou indiretamente, para a sua realização, em conformidade com o que dispõe a Consolidação das Leis do Trabalho[1].

Nesse contexto, a Medida Provisória 927/2020 privilegiou os acordos individuais escritos em relação às normas legais e convencionais, desde que observados os limites constitucionais, cujas regras expressamente também se aplicam, no que couber, aos trabalhadores rurais, temporários e domésticos.

Assim, os principais instrumentos trazidos pela MP 927 para o enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes da COVID-19 são:

a) Teletrabalho;

b) Antecipação de férias individuais;

c) Concessão de férias coletivas;

d) Antecipação de feriados;

e) Banco de horas;

f) Suspensão de exigência administrativas em segurança e saúde no trabalho;

g) Diferimento de recolhimento do FGTS.

Vejamos cada uma dessas regras dispostas na MP 927:

 

TELETRABALHO

Trata-se de forma de manter o empregado atuante. É necessária a comunicação com antecedência prévia de 48 horas, também cabível aos estagiários e aprendizes.

Durante a sua utilização não há controle de jornada, assim como a utilização de aplicativos e programas (ex.: WhatsApp, Zoom e Skype) fora do horário de trabalho não caracteriza, como regra, em tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso. Portanto, o foco é o atendimento às metas e prazos.

Vale observar que não se trata de trabalho externo, mas sim a prestação, de forma excepcional, das atividades laborais fora do ambiente da empresa.

Quanto ao procedimento para aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária, isto também deve ser firmado em contrato escrito. Sugere-se que seja feito de forma prévia.

Caso o empregado não possua os equipamentos, a empresa pode fornecê-los em regime de comodato e pagar as despesas (ex.: energia elétrica, internet, mobiliário, dentre outros). Todavia, tais despesas não serão caracterizadas como verbas de natureza salarial. Não sendo possível o fornecimento dos equipamentos e da infraestrutura, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

Cabe destacar que a disposição não é aplicável aos trabalhadores de teleatendimento e telemarketing, que possuem disposições próprias descritas nos artigos 227 a 231, da CLT.

 

FÉRIAS

Mesmo que o empregado ainda não tenha período aquisitivo completo é possível a concessão de férias, mediante aviso prévio de 48 horas, devendo ser priorizados aqueles que integram o grupo de risco. O aviso pode ser por escrito ou por meio eletrônico.

O período mínimo é de cinco dias corridos, sendo proibido  conceder férias em periodo inferior.

As férias deverão ser pagas até o quinto dia útil do mês subsequente ao do início da fruição. O pagamento do adicional de 1/3 poderá ser efetuado até 20 de dezembro de 2020.

Ainda, caso o empregado deseje efetuar a venda de 1/3 de suas férias o empregador deverá expressamente concordar, podendo pagar tal valor até a data do pagamento décimo terceiro salário (20 de dezembro de 2020).

É possível a negociação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.

Profissionais da área da saúde podem ter férias ou licenças não remuneradas suspensas através de comunicação com antecedência prévia de 48 horas.

Férias coletivas podem ser concedidas, inclusive em mais de dois períodos e sendo dispensada a comunicação ao Sindicato de classe e ao Ministério da Economia.

Caso o empregado a que tenha sido concedido o período de férias seja demitido, deverá ser efetuado o pagamento do saldo de férias, conjuntamente das demais verbas rescisórias.

 

FERIADOS

Outra medida adotada é a possibilidade de antecipação, de forma unilateral pelo empregador, de feriados não religiosos, com a dispensa de negociação coletiva, bastando a comunicação formal ao empregado, com prazo de 48 horas, acerca de quais feriados se busca a antecipação.

Ponto interessante é a possibilidade de compensação com eventual saldo existente em banco de horas.

Para feriados religiosos também é cabível a antecipação, contudo mediante aceitação do empregado, devendo ser firmado acordo individual escrito.

 

BANCO DE HORAS

O Banco de Horas já existe no sistema brasileiro e depende de acordo escrito, obrigatoriamente.

O que se busca, através da MP 927, é possibilitar a interrupção do contrato de trabalho com estabelecimento de Banco de Horas, possibilitando-se compensação posterior, prazo máximo de 18 meses contados do encerramento do estado de calamidade pública.

Pode haver a prorrogação da jornada pelo máximo de duas horas diárias, não podendo a jornada exceder dez horas diárias.

A compensação do saldo de horas independe de acordo ou convenção.

 

SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

Tendo em vista o objetivo de manter o isolamento e evitar a propagação da pandemia, determinou-se a suspensão da obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.

Os exames deverão ser realizados no prazo máximo de 60 dias computados do término do estado de calamidade.

Quanto aos exames demissionais, apesar de permanecerem obrigatórios, existe a possibilidade de sua dispensa no caso do último exame médico ocupacional porventura tenha sido realizado há menos de 180 dias.

Treinamentos periódicos e eventuais aos empregados também são suspensos, salvo a possibilidade de serem ministrados à distância, devendo serem realizados até 90 dias após a cessação do estado excepcional.

As CIPAs poderão ser mantidas durante o período de calamidade, assim como poderão ser suspensos os processos eleitorais respectivos.

 

DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DO FGTS

Em função da queda de receita pelas empresas, a MP 927 suspendeu a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

Os recolhimentos poderão ser efetivados de maneira parcelada, em seis prestações, sem incidência de multas, encargos e atualizações, a partir do mês de julho de 2020.

Para poder utilizar o benefício o empregador se obriga a declarar as informações até a data de 20 de junho de 2020.

Havendo rescisão do contrato de trabalho, o empregador deverá efetuar o depósito do montante correspondente sem multas e juros.

Os certificados de regularidade anteriormente emitidos serão prorrogados por mais 90 dias.

Os prazos de prescrição de cobrança de débitos do FGTS foram suspensos por 120 dias a partir de 22 de março de 2020.

 

OUTRAS DISPOSIÇÕES

Para empregados na área da saúde, mesmo em atividades insalubres e para quem labore em escala 12×36, será permitida a prorrogação da jornada, sem aplicação de penalidade administrativa, permitida compensação em até 18 meses cessada a pandemia, podendo ser tanto por pagamento de horas extras quanto pela utilização de banco de horas.

Acordos e Convenções Coletivas que já tenham vencido ou que venham a vencer no prazo de 180 dias contados de 22 de março de 2020, a critério do empregador poderão ser prorrogados por mais 90 dias.

O prazo de validade da Certidão de tributos federais e à dívida ativa da União, será de até cento e oitenta dias, contado data de emissão da certidão, prorrogável, excepcionalmente, no caso de extensão do estado de calamidade, por ato conjunto da Receita Federal da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

 

ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DAS ADIs 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354

A MP 927, em sua redação original, destacou que a contaminação pela COVID-19 não será considerada doença ocupacional, a não ser que seja comprovada responsabilidade da empresa[2].

Além disso, transformou parcela expressiva das funções dos Auditores Fiscais do Trabalho em meramente orientativas[3], com exceção nas hipóteses de irregularidades como falta de registro de empregado, situações de grave e iminente risco, ocorrência de acidente de trabalho fatal, e trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.

Contra as disposições descritas nos artigos 29 e 31, da MP 927, foram propostas Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante ao Supremo Tribunal Federal, por parte das agremiações partidárias Partido Democrático Trabalhista (6.342), Rede Sustentabilidade (6.344), Partido Socialista Brasileiro (6.348), Partido Comunista do Brasil (6.349) e Solidariedade (6.352), assim como pelas entidades Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (6.346) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (6.354), visando suspender e alterar dispositivos da MP 927.

Ao processar as ADIs, o relator Min. Marco Aurélio de Mello indeferiu o pedido liminar das respectivas ações, mantendo-se a integralidade da MP em vigor, destacando em decisão proferida em 26 de março de 2020 que “O artigo 29, tendo em vista a prestação de serviços, afasta o enquadramento, como doença ocupacional, de caso de contaminação pelo coronavírus. O preceito atende, de início, aos ditames constitucionais. Já o artigo 31 está direcionado à atuação dos auditores. Com o dispositivo, busca-se não perturbar, além do necessário a vida empresarial, não implicando conclusão sobre a colocação, em segundo plano, da fiscalização”.

Na análise dessa decisão liminar pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, iniciada na sessão de 23 de abril de 2020, o ministro Relator, destacou que a MP 927 contribuía para a preservação de empregos durante a pandemia. Todavia, a maioria dos membros do STF, em julgamento concluído na sessão do dia 29 de abril de 2020, julgou por manter o entendimento do Relator exceto quanto ao disposto nos artigos 29 e 31 da MP 927, que tiveram sua eficácia suspensa.

Essa divergência decorreu do voto do Ministro Alexandre de Morais, que, inobstante defender a manutenção da MP 927 sob o argumento de que tal medida “veio para tentar diminuir trágicos efeitos econômicos, tanto para o empregado como para o empregador”, destacou que os trabalhadores de atividades essenciais estão expostos ao vírus, a exemplo de médicos, enfermeiros e motoboys e que, portanto, seria “extremamente ofensivo” desconsiderar o COVID-19 como doença ocupacional, ao passo que a redução da fiscalização não colaboraria para o combate à pandemia e também atentaria contra a própria saúde do empregado.


[1] CLT, Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

[2] MP nº 927/2020, Art. 29.  Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

[3] MP nº 927/2020, Art. 31.  Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades: […]

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm > Acesso em 14 abr. 2020.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm > Acesso em 14 abr. 2020.

______. Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm> Acesso em 14 abr. 2020.

______. Decreto-Lei nº 5.452, de 1.º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm > Acesso em 14 abr. 2020.

______. Medida de Provisória n. 927, de 22 de março de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/MP/MP927.htm> Acesso em 14 abr. 2020.

______. Medida de Provisória nº 928, de 23 de março de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2020/MP/MP928.htm> Acesso em 14 abr. 2020.

______. Medida de Provisória nº 936, de 1.º de abril de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/MP/MP936.htm> Acesso em 14 abr. 2020.

______. Decreto Legislativo nº 06, de 20 de março de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/DLG6-2020.htm> Acesso em 14 abr. 2020.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6342. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880968 Acesso em 30 abr. 2020.

______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6344. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5881143 Acesso em 30 abr. 2020.

______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6346. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5881206 Acesso em 30 abr. 2020.

______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6348. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5881596 Acesso em 30 abr. 2020.

______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6349. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5881597 Acesso em 30 abr. 2020.

______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6352. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5881916 Acesso em 30 abr. 2020.

______. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6354. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5882545 Acesso em 30 abr. 2020.

VIEIRA BARBOSA & CARNEIRO – ADVOGADOS
Departamento de Direito Eleitoral

LUIZ FABRICIO BETIN CARNEIRO
Advogado sócio e fundador

FERNANDO BUENO DE CASTRO
Advogado associado

ALESSANDRA MUGGIATI MANFREDINI SILVA
Advogada associada

RENAN RIBEIRO
Advogado colaborador