Informativo Eleitoral 05/2020

Condutas Vedadas aos Agentes Públicos - Distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios no combate ao COVID-19

Nos Informativos anteriores, a equipe do escritório Vieira Barbosa & Carneiro –

Advogados destacou, com base nas datas estabelecidas no ‘Calendário Eleitoral’ e com a finalidade de subsidiar a construção das estratégias para as eleições de 2020, as principais providências a serem observadas pelos partidos políticos e pré-candidatos especialmente no que diz respeito às regras que tratam das Condições de Elegibilidade, das Causas de Inelegibilidade, e da Desincompatibilização nas

Eleições Municipais, bem como os critérios para a definição do número de vagas na chapa de vereadores, o cálculo dos quocientes eleitoral e partidário, e os critérios para a distribuição das sobras.

Agora, a equipe do escritório Vieira Barbosa & Carneiro – Advogados, passa a destacar as chamadas “Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas

Eleitorais” previstas na Lei nº 9.504/97 e na Resolução/TSE nº 23.610, no intuito de orientar os gestores públicos municipais, candidatos ou não no pleito de 2020, quanto às proibições destinadas à administração pública em ano eleitoral.

Vale ressaltar que o presente Informativo tratará das restrições de distribuição gratuita de bens ou valores pela Administração Pública em ano eleitoral, com especial destaque para as consequências da Pandemia de COVID-19 declarada pela Organização Mundial de Saúde em 11/03/2020, que resultou numa série de providências administrativas em todas as esferas de poder, inclusive na decretação de “estado de calamidade” pelo Congresso Nacional em 20/03/2020.

Para demais informações, entre em contato através dos nossos canais. Confira:

 

CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS

A doutrina conceitua condutas vedadas como sendo “espécies de abuso do poder político que se revelam pelo desvirtuamento dos recursos materiais, humanos, financeiros e de comunicação da Administração Pública[1]. Por sua vez, o abuso do poder político, no entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, “caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros[2].

Nesse contexto, destaca-se que a Lei nº 9.504/97, entre os artigos 73 e 78, elenca o rol de Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais, servidores ou não, tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais, definindo-se agente público, segundo o § 1º, do art. 73, como sendo “quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional”.

É de se destacar, ainda, que de acordo com as disposições do art. 73, §§ 4º a 8º, da Lei 9.504/97, e do art. 83, da Resolução/TSE nº 23.610, o reconhecimento, pela Justiça Eleitoral, da prática das condutas vedadas pelos agentes públicos pode implicar nas seguintes consequências:

➜ Multa no valor de R$ 5.320,50 a R$ 106.410,00, tanto aos agentes públicos responsáveis pela prática da conduta quanto aos beneficiários – candidatos, partidos ou coligações – da conduta praticada, que poderá ser duplicada a cada reincidência, sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes;

➜ Cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, agente público ou não;

➜ Responsabilização pelo ato de improbidade administrativa descrito no art. 11, I[3], da Lei nº 8.429/92, sujeitando tanto o responsável quanto o beneficiário às cominações do art. 12, III[4], da Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, com base nessas brevíssimas noções gerais acerca das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais, a equipe do escritório Vieira Barbosa & Carneiro – Advogados passará a abordar, no decorrer dos Informativos que serão periodicamente divulgados, cada proibição legal com suas principais peculiaridades, afim de prevenir e orientar a atuação dos agentes públicos no presente ano de realização de eleições.

Porém, em decorrência do excepcionalíssimo cenário mundial atual, notadamente causado pela Pandemia de COVID-19 declarada pela Organização Mundial de Saúde em função do estado da contaminação provocado pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), faz-se urgente a abordagem da proibição de “distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública” no ano de realização de eleições, conforme se verá a seguir.

 

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS, VALORES OU BENEFÍCIOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO COMBATE À COVID-19

Inicialmente, destaca-se o disposto no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97, que textualmente proíbe ao agente público “fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público”.

Conclui-se, portanto, que é absolutamente proibida, a qualquer tempo e sem exceções, a distribuição gratuita de bens ou serviços custeados pelo Poder Público com cunho eleitoreiro e promocional de candidatura.

Todavia, a Lei nº 9.504/97, em seu art. 73, § 10, prevê que “no ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa”.

A regra, portanto, é a proibição da distribuição gratuita de quaisquer benefícios pela Administração Pública, sendo inflexível na hipótese de realização com caráter eleitoreiro[5], mas com exceções previstas no § 10, do art. 73, da Lei 9.504/97, caracterizadas nas seguintes circunstâncias:

➜ Calamidade Pública, que se caracteriza[6] pela ocorrência de situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido;

➜ Estado de Emergência, que se caracteriza pela iminência de situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido; e

➜ Programas Sociais7 autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, não bastando a mera previsão na lei orçamentária anual, bem como a instituição de programa social mediante decreto8.

Diante desse contexto, é de se concluir que a atuação do Poder Público no combate aos efeitos da Pandemia de COVID-19, especialmente se adotada a estratégia de distribuição gratuita de bens, valores, serviços, ou quaisquer outros benefícios à população para o enfrentamento do “novo coronavírus”, seja com objetivo de amenizar os impactos na saúde pública, conter danos à economia, ou até reduzir impactos sociais, poderá se enquadrar nas exceções legais de calamidade pública e estado de emergência desde que formalmente declarados, mediante ato normativo específico.

Vale destacar que, em função da Pandemia de COVID-19, foi reconhecido o estado de calamidade pública no âmbito da União pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e no âmbito do Estado do Paraná pelo Decreto Estadual nº 4.319, de 23 de março de 2020, ambos para a finalidade do art. 65, da Lei

Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, suspendendo-se os prazos para aferição de limites de gastos com pessoal e dívida pública, atingimento dos resultados fiscais e limitação de empenho.

No âmbito dos municípios, a declaração de estado de emergência ou calamidade pública deverá seguir as previsões das respectivas Leis Orgânicas, respeitando-se os critérios para o requerimento e aprovação da situação de calamidade conforme o art. 7º, do Decreto Federal nº 7.257/2010, e informando-se ao Ministério Público para o devido acompanhamento da execução financeira e administrativa.

Além da declaração de calamidade pública ou estado de emergência, os

Prefeitos e Secretários Municipais deverão, necessariamente, editar atos normativos – decreto, portaria, etc. – regulamentando previamente a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, em observância ao princípio da impessoalidade e com a fixação de critérios[7] técnicos e objetivos que balizem a distribuição gratuita, a exemplo de:

➜ Fato caracterizador da calamidade ou emergência;

➜ Bens, valores e benefícios que se pretende distribuir;

➜ Período de distribuição;

➜ Pessoas a serem beneficiadas;

➜ Renda familiar de referência para obtenção do benefício; ➜ Condições pessoais ou familiares para concessão; etc.

Conclui-se, portanto, que eventuais providências administrativas em âmbito municipal destinadas ao combate da COVID-19, tanto no que se refere à saúde pública quanto à economia local, que impliquem na distribuição gratuita de bens, valores ou quaisquer outros benefícios à população, devem, imprescindivelmente, ser precedidos de declaração de estado de emergência ou calamidade pública e edição de ato normativo regulamentador para afastar a hipótese da conduta vedada descrita no art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97, eximindo os agentes públicos municipais das sanções de multa ou responsabilização por ato de improbidade administrativa, e resguardando os candidatos eventualmente relacionados – e, ainda que indiretamente, beneficiados – com a distribuição gratuita de bens das penalidades de multa e cassação do registro ou diploma.


[1] ZÍLIO, Rodrigo. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010. p. 501.

[2] TSE – RESPE nº 46822, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação 27/05/2014.

[3] Lei 8.429/92, Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

[4] Lei 8.429/92, Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: […] III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

[5] “Para a configuração da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97 não é preciso demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público, bastando a prática do ato ilícito” (TSE – AgR no RESPE nº 36026, Relator(a) Min. Aldir Passarinho Junior, Publicação: 05/05/2011).

[6] Definição do art. 2º, III e IV, do Decreto nº 7.257/2010, que “Regulamenta a Medida Provisória no 494 de 2 de julho de 2010, para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, sobre o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às

[7] TSE – RESPE nº 55547, Relator(a) Min. João Otávio de Noronha, Publicação:  21/10/2015.

REFERÊNCIAS

ZÍLIO, Rodrigo. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737.htm > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Decreto nº 7.257, de 4 de agosto de 2020. Regulamenta a Medida Provisória no 494 de 2 de julho de 2010, para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, sobre o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e dá outras providências. Disponível em < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2010/decreto/d7257.htm > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº

101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Disponível em < https://legis.senado.leg.br/norma/31993957/publicacao/31994188 > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm#art11i > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em < http://portal.stf.jus.br/ > Acesso em 5 abr. 2020.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em < http://www.tse.jus.br/ > Acesso em 5 abr. 2020.

PARANÁ. Decreto Estadual nº 4.319, de 23 de março de 2020. Declara o estado de calamidade pública, como medida para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus – COVID-19. Disponível em   <

https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=233068&indice=1&totalRegistros=6&dt=6.3.2020.14.24.16.898 > Acesso em 5 abr. 2020.

VIEIRA BARBOSA & CARNEIRO – ADVOGADOS
Departamento de Direito Eleitoral

LUIZ FABRICIO BETIN CARNEIRO
Advogado sócio e fundador

FERNANDO BUENO DE CASTRO
Advogado associado

ALESSANDRA MUGGIATI MANFREDINI SILVA
Advogada associada

RENAN RIBEIRO
Advogado colaborador